Como me tornei artesã de cosméticos (parte II)

Há alguns meses, eu contei aqui no blog como foi que tudo começou e me tornei artesã de cosméticos. Quem quer ler o começo dessa história, >>clica aqui<<

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Agora vou continuar de onde parei, que foi no momento em que eu descobri a saboaria natural.
Após o encantamento pela saboaria natural, veio a busca por conhecimento. Como eu iria aprender sobre um assunto que eu não sabia nada?

Foi aí que eu finalmente encontrei um curso de saboaria (ou ele me encontrou, não sei ao certo). Fiz o curso, e como sempre fui meio nerd, senti a necessidade de conhecimentos complementares: daí em diante vieram cursos de aromaterapia (considero a aromaterapia a melhor amiga da saboaria natural). Além do investimento em cursos, comprei apostilas e livros, muitos livros. Dentre os assuntos dos livros, estavam saboaria, mas também perfumaria botânica, fitoterapia, geoterapia, cosmetologia, um mundo de coisa.

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Óleo de babaçu orgânico: um dos primeiros produtos da Ewé

Sempre gostei de estudar, e poder juntar vários saberes no meu negócio que começava a se descortinar era demasiadamente apaixonante.

A Ewé finalmente nasceu e não poderia levar outro nome. Tenho uma ligação ancestral com a cultura Yorubá e essa palavra em Yorubá significa “folha”. Tinha tudo a ver com uma marca de cosméticos que busca seu repertório na natureza e inspirações onde tudo começou: a África (Egito, Nigéria, Benin inspiram muito as minhas criações). Fazer cosméticos é também contar histórias: a seleção dos ingredientes, seus simbolismos, aromas e texturas nos remetem a tempos que não vivi, e isso é delicioso.

Comecei com poucos produtos: óleos corporais e capilares, manteigas corporais e alguns sabonetes. As vendas eram inicialmente para pessoas da família e amigos, que me incentivavam a prosseguir. Me sentia muito animada e trabalhava dia e noite. As vendas eram bem escassas no começo, hoje em dia elas ainda são pequenas, mas espalhadas por todo o Brasil (essa é uma das minhas grandes realizações, saber que meu trabalho faz parte do cotidiano de diversas pessoas).Digamos que a Ewé é uma marca pequenininha no tamanho e volume da produção, mas enorme no amor e na dedicação. Vira e mexe eu recebo recadinho de clientes agradecendo a existência da Ewé e o quanto gostaram dos produtos. Eu sempre me emociono nessa hora. Recebo críticas também, elas têm a mesma importância dos elogios. Enquanto os elogios me dão forças a continuar, as críticas me levam a aprimorar cada vez mais o meu produto e rever meus métodos.

O que dizer da minha família neste momento? Minha mãe, minha irmã e meu marido apoiam a Ewé incondicionalmente, desde o começo. Sem eles, eu nem sei. Quem leu até aqui deve estar pensando que tudo são flores. Mas encontrei diversos espinhos no caminho. Teve gente que chegou até mim pra dizer por exemplo que eu deveria começar a colocar currículo logo, pra não “ficar velha pro mercado” e que se eu demorasse muito, seria difícil conseguir um emprego novamente. Houve quem dissesse que eu deveria aproveitar “que sou tão inteligente e focar essa inteligência em passar em um bom concurso público”. Essas pessoas nunca vieram me perguntar o que de fato me faria feliz nessa vida e quais os meus sonhos, A elas eu sempre dei uma resposta vaga, mas no fundo eu já tinha queimado meus navios e sabia exatamente o que eu faria da minha vida. Eu apostei todas as minhas fichas na Ewé com foco e determinação.

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Aí está o meu primeiro sabonete natural feito do zero

Olhando para trás, percebo o quanto cada escolha passada me fez estar onde eu estou hoje. Acredito que cada pessoa tem vários dons nessa vida e o grande trunfo está em reunir essas habilidades em um trabalho que lhe traga satisfação para a partir daí ver de todo o jeito como viver financeiramente daquilo. Eu sempre gostei de atividades manuais. Na infância não gostava tanto de boneca. Gostava mais de ler e de brinquedos de montar. Um natal, meu tio me deu um  Lego de presente. Passava horas montando e desmontando aquilo, sempre criando novas formas. Na adolescência, inventei de vender brigadeiro na escola. Depois, na faculdade veio a ideia de vender trufas. Faziam muito sucesso. Fiz também velas aromáticas e pouco antes de me formar eu tinha uma banca itinerária de livros. Vê-se que além da veia de artesã, eu tinha a veia do comércio também. Não podia aniquilar tudo isso em um emprego burocrático qualquer, onde eu iria trocar “estabilidade” por no mínimo 5 dias de tédio por semana.

De tempos em tempos eu paro para refletir sobre minhas escolhas e o que me motivaram a elas, numa busca por autoconhecimento. Essa é uma parte delicada de tocar, pois mexe com uma história dolorosa. Porém se torna necessário. Eu perdi meu pai pro câncer. O que eu e minha família passamos a seu lado deixou muitas feridas na gente, algumas até hoje não foram curadas.Quando entrei na faculdade eu sentia uma grande atração por curas mais naturais e só ao fazer essa reflexão agora é que percebo onde tudo isso começou. Todos nós sabemos a importância do estilo de vida na prevenção de doenças como o câncer e hoje eu acredito que o câncer (e muitas outras doenças) estão ligadas a emoções negativas não processadas, estilo de vida desregrado e às grandes transformações pelas quais o planeta tem passado nos últimos séculos, com grande consumo de agrotóxicos, pesticidas, testes em animais e várias outras práticas contrárias a uma relação harmoniosa com a natureza e o nosso corpo.

A minha saúde é bem delicada e requer uma série de cuidados que incluem estilo de vida. A minha primeira busca foi por uma alimentação mais saudável. Até que um dia, minha irmã me mostrou uma matéria que falava sobre os males que as químicas contidas nos cosméticos podem causar à saúde. Na época eu nem liguei muito, mas quando comecei a estudar cosméticos naturais eu me aprofundei nesse assunto e a conclusão foi que os cosméticos convencionais possuem muitos ingredientes que além de poderem causar alergias e serem cumulativos em nosso organismo, também são poluentes e contribuem para a destruição da natureza. Isso só demonstra que nós e a natureza não estamos separados, fazemos parte do mesmo organismo.

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O creme de pentear mel e dendê se tornou rapidamente um sucesso

Caramba, como escrevi. E olha que eu nem disse tudo. Antes de dizer “até breve”, quero deixar um recado final: a Ewé me transforma a cada dia. É um trampo de aprendizados constantes, de dores, desafios e muitas delícias. Por algum tempo, fazer e vender cosméticos me deixou realizada, mas minha alma começou a querer alçar outros voos e não demorou muito para outro chamado bater à minha porta. Mas como mais uma vez o texto ficou enorme, vou deixar para o terceiro e último post da série (que acaba de virar uma trilogia, rss) ” Como me tornei artesã de cosméticos naturais”

Mais uma vez, agradeço a leitura,
Mona